segunda-feira, 7 de setembro de 2015

No meu tempo

No meu tempo não havia essa corrupção desenfreada
De valores financeiros e de caráter,
Porque viver era tudo o que cada um tinha,
E todos respeitavam a oportunidade.

No meu tempo também não havia 
Esses largados sem rumo nas calçadas,
Porque o Estado e a sociedade e as organizações
Tinham por meta distribuir algum amparo.

No meu tempo não havia vigilância,
Porque as leis de convivência soíam serem leis,
E o trânsito, os concursos, as ocupações, as causas
Fluíam, encaminhados sem histerias e processos.

No meu tempo crianças podiam ser adotadas
Por casais de qualquer orientação afetiva,
E os corpos das pessoas eram templos
Que abrigavam apenas cultores do respeito.

No meu tempo pobres e ricos andavam de avião
E o avião só tinha primeira classe,
E as baladas só tinham gente bonita
De todas as cores e credos e modas e salários.

No meu tempo, não havia estrangeiros e migrantes,
Porque o povo sabia que a história dos povos
Dependia da comunhão de culturas distintas,
E as fronteiras do país eram pro forma.

No meu tempo as diferenças de poder
Diluíam-se na fala pública negociada,
Mais ampla que a democracia majoritária
Porque apta a integrar as minorias opacas.

No meu tempo Deus não fazia distinção
Entre fiéis de uma ou outra vertente.
Religiosos falavam de Deus pelos olhos
E pela língua delicada de mãos que obravam o bem.

No meu tempo todos sabiam primeiros socorros e Libras,
Todos davam de seu tempo para causas belas,
Todos cozinhavam para refugiados e carentes,
A educação era responsabilidade geral.

No meu tempo não havia quem não tivesse
Ao menos em algum momento da jornada
Experimentado a hospitalidade do semelhante
Para conhecer as receitas da integração.

É por isso que bato no peito com muito orgulho,
E meu olhar, quando medito, brilha de emoção,
Pois nunca haverá um tempo como meu tempo:
O tempo que eu vivo para iniciar.