terça-feira, 22 de março de 2011

Ambições

Sonho poder produzir
saberes pregnados de poesia,
suores pugnados pelo justo.

Sonho poder produzir
amuletos com magia eficiente,
ampulhetas com mais tempo que o da vida.

Sonho poder produzir
édenes sem tíquetes de entrada,
bálsamos sem sangue de cobaias.

Sonho poder produzir
palavras mais belas que o silêncio,
belezas mais silentes que a palavra.

domingo, 13 de março de 2011

Luz e falta

É hora de morrer e a luz me falta.
Onde estão os dons prometidos?
Que é da recompensa pelos martírios na longa estrada?
Escuridão e pavor, silêncio e desesperança
afluem do infinito, em peso ardente
e a consciência se dilui, a não ser

pela expectativa de que a Sábia Providência
- compreendendo o poder do sim na sala negativa
a que se referia o poeta, e também a necessária alegria
que precisa revestir essa passagem, a surpresa
do sentir-se perto do nada e, de repente,
integrar-se a um brilho que é mais que vida -
conceda um galardão final ao cavaleiro em queda:

pela expectativa de que a luz venha,
não a das purpurinas das asas dos anjinhos,
mas a que era exclusividade dos teus olhos
quando eu fazia cócegas na tua barriga
e uma voz me dizia que me amava,
e eu me sabia eternamente perdoado.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Resposta errada

Todo mundo bate à minha porta
para vender algum tipo de produto.
Mas eu não sou melhor que ninguém
porque sempre dou a mesma resposta.

A minha resposta desconsidera
o progresso do país nos últimos anos.
A minha resposta desconsidera
aquilo que os olhos não veem,
desconsidera as explosões de medo pós-tédio
e o salto de Alice no poço.

Os dentes triscando de ódio,
os dedos tremendo de inércia,
os dias tramando disparos
a minha resposta desconsidera.

Nela não estão fome, fatos, monstros, mortes,
gritos e aflições e gargalhadas sonsas
impossibilidades de amor quando nada é impossível,
impossibilidades de paz quando nada está em guerra,
a carbonização dos pensamentos delirantes na pira do amanhã,
tudo, tudo porque eu não sou melhor que ninguém,
eu não sou um produto, irmão.
Eu não posso ser um produto.
As minhas unhas crescem tortas para rasgar meu coração.
As minhas decisões morreram velhas quando encaro os fatos.
Eu não posso ser a minha resposta, irmão,
eu não posso andar na corda bamba das minhas próprias tripas,
e eu bem sei que não há outro caminho.

E é por isso, irmão,
que eu não sou melhor que você nem que ninguém
que sempre bate à minha porta
para me vender algum tipo de resposta.