domingo, 29 de dezembro de 2013

Professor


Entre montes e vales,
Entre escombros e altares,
Entre estranhos e pares,
Labutar.

Entre luzes e sombras,
Entre essências e sobras,
Entre esboços de obras,
Lecionar.

Entre cobras e amigos,
Entre poços e abrigos,
Entre amparos e avisos,
Produzir.

Entre olhos e nervos,
Entre fases e pesos,
Entre alunos e ilesos,

Professar.


sábado, 28 de dezembro de 2013

Soneto da rede social


Aguardo a tua última postagem
Postagens explorando, aleatórias.
Aguardo o desenlace dessa história
Como um tigre faminto e sem coragem.

Quem dera uma indireta de passagem

Moesse as esperanças irrisórias,
Trazendo-me saudades e memórias
Maiores que o atrativo das bobagens.

No fundo, satisfaço-me em imagens

Que servem de alimento e fantasia
Às fábulas que a rede me permite.

E enquanto minha mente está vazia,

A foto, o riso, a voz e outras miragens
Aguardo em meu estúpido apetite.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Jovem tagarela


Era difícil falar com heróis e fadas
E pessoas menos bonitas que desenhadas.
Era difícil falar com portadores de certezas
E com as bocas cheias do prazer da mesa.
Era difícil falar com o vocabulário que eu tinha
E com sentenças-princípios de gente cretina.

A "democracia" do meu entorno era o não,
Fabricado nos profundos do pulmão.
A "inclusão" ao meu redor era o grito mais alto
Que sobrepunha quaisquer conclusões a quaisquer fatos.
A voz subia escadas de agonia.
O conteúdo do dizer era o próprio direito
De dizer o que dizia.

Eu não queria ser aceito por ninguém naquele momento.
Eu queria tirar as borboletas de dentro.
Queria respostas a perguntas sem dúvidas,
Talvez ser nauta de águas turvas.
Falava às paredes e aos cães que me lambiam
Numa poesia a que faltavam adereços de poesia,
Voz de pirralho enlevado com a guitarra nova,
De criança embirrando: criança, uma ova!,
De um certo alguém em certo ritual só seu,
De presumido gigante em pele de pigmeu,
De porta-voz de amigos imaginários,
Garganta sem escopo em seus disparos.

Falava a quem queria ouvir as canções do momento,
Mas de que valeria, Cássia, lançar palavras ao vento
Se o deus do vento tivesse cera nos ouvidos,
E as sereias não sorvessem meus gemidos?

Era difícil falar de assunto interessante
Sem ouvidos que sacassem o adiante
Além do ali diante.
Difícil almejar tesouros  não cobiçados
Sem lidar com estranhamentos de sensos solidificados.
Difícil perceber que eu falava sozinho
E que esse prazer era menos que carinho
E muito mais que poder.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Bolinhos de chuva


Conte sua história
Antes que ninguém mais pergunte.

Declare descaradamente seu amor
Enquanto o impulso tem palavras.

Ria de si mesmo e siga em frente
Enquanto seus pés têm saúde.

Se há uma pessoa linda,
Convide-a para dançar.

Se você se sente perfeito,
Roube um brigadeiro da mesa.


Cante aquela canção
Cuja letra você nunca soube.

Atinja um alvo
E comemore comendo um bombom.

Dê presentes todo dia.
Faça carinho nos seus bichinhos.

Beije os olhos de uma criança
E deixe ela sair correndo.

Grite palavrões ridículos
E as raivas divertirão os amigos.


Bata palmas para o sorriso
E para o sol que desabrocha.

Olhe as diferenças do céu
Enquanto nem todas brilham em cinza.

Diga o que pensa
Para saber com clareza o que sente.

Abrace uma árvore
Antes que seja tarde.

Abrace seu mundo
Enquanto chamá-lo de seu.


sábado, 7 de dezembro de 2013

Decrepitude


Bate o vento na janela,
Bate o vento no jardim,
Treme a chama desta vela,
Como o tempo treme em mim.

Bate o vento como os dias
Batem forte na vaidade.
Treme a vida, enfrenesia,
Contra as pústulas da idade.

Bate o vento desfolhante
No jardim de quem foi gente.
Corta o flor do meu semblante,
Deixa vácuo intermitente.

Bate o vento na ferida,
Leva o dente-de-leão.
Leva o leve desta vida
Deixa a dor da escuridão.