domingo, 6 de outubro de 2013

Lugar exato


Escrever é uma forma
de colocar ordem nas ideias,
dizem meus manuais de redação.

Dançar deve ser uma forma
de colocar ordem nos sentidos.
Cantar deve ser uma forma
de colocar ordem nas emoções.
Isso não é dito
pelos manuais dessas artes.

Viver deve ser uma forma de desordem
complementar ao canto, à dança, à escrita,
servindo de matéria bruta e substrato
à elucidação do sentido.
No momento em que rodo, entoo, aperto a caneta,
muitas coisas simplesmente são.
Por isso, os manuais de viver
não nos dispensam das alegrias.

Amar, por sua vez,
deve ser uma forma de cantar, dançar, escrever,
assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.
O amor pega a vida e a coloca em seu lugar exato.
Todas as coisas passam a ter sentido.
Tudo fica afinado,
todo movimento é leve,
toda linha torta escreve certo.
Ideias, sentidos e emoções parecem costurados sem remendos
no tecido da existência atual, pregressa, posterior.

O único problema insolúvel de se amar
e preencher sua vida e sua arte com o amor
é saber depois o que fazer
com os manuais.

sábado, 5 de outubro de 2013

Macho


Está difícil achar um homem
Com o peso justo do macho
Cheiro e força de varão
Maturidade de sábio

Está difícil achar um homem
Macho, mas não machão
Seco perante a frescura
Justo perante a razão

Está difícil achar um homem
Com o lado belo do macho
Reto, direto e concreto
Com hesitações mil por baixo

Está difícil achar um homem
Macho, mas não limitado
Que aceite seu lado menino
Quando se deita ao meu lado

Está difícil achar um homem
Bom nos deveres do macho,
Fraldas trocando, e lavando
Roupas sujas de relaxo

Está difícil achar um homem
Com o jeito próprio do macho
Meigo no toque e no beijo,
Mau na pegada dos braços

Está difícil achar um homem
Macho, sem ser escroto
Que goste de fato de mim
E não apenas do meu corpo

Está difícil achar um homem
Puro nas dores de macho,
Pronto a aprender com conselhos
A ouvir e filtrar meus escrachos

Está difícil achar um homem
Hétero na orientação,
Macho na língua do vulgo,
Igual na humana condição.

Único caminho


Há duas formas de entender a história,
Há duas formas de ajustar a mente.
Ou você pode acreditar nos fados,
Acreditar que tudo está no trilho,
Ou você pode debandar de lado,
E acreditar que o mundo pede auxílio,
E alimentar-se em fé renovatória:
Das duas, uma: ou marionete, ou gente.

Se você quer do igual sempre a vitória,
De um ego cego que só segue em frente,
Seu mundo fica pré-determinado,
Sem horizonte, ascende um sol sem brilho.
Mas se do idílio está desenganado,
Se você crê que o ego é um empecilho,
Você se afasta da verve ilusória.
Destrói disfarces imediatamente.

Das duas formas desse estar no mundo,
Entre a quimera e o esforço de ser pleno,
Apenas uma vale o próprio custo:
A escolha é decisão definitiva.
Quem semear com seu querer profundo,
Quem mantiver seu coração sereno,
Verá passados e amanhãs sem susto:
Florescerá da própria iniciativa.

Existe humanidade além da dor,
Além do engano e além da solidão,
Quando o alienado aprende a ser ator.
A escolha é sempre mais que um sim ou não.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Até aprender


Tanta coisa já escrevi
Sobre momentos nos quais
Não sabia como agir,

Que achei que, passados os anos,

Lendo tudo o que escrevera,
Melhoraria meus planos.

Mas não foi dessa maneira:

Escrevo de novo esta vez
Como escrevesse a primeira,

Sempre perdido no mapa,

Sempre impulsivo e poeta,
Sempre dando a cara a tapa.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Bonito


Se eu pego as coisas em que acredito
E somo às coisas em que não acredito,
Empata.

Mas nem por isso eu sussurro. Eu grito.
No muro da vergonha estava escrito:

"É a dúvida que mata".

Os cães ladram;

Segue em frente a passeata.

Amparador


Não vou tratar com nojo e resistência
O monstro que se move à minha frente.
Eu sei que existe um modo diferente
De compreender o fel de sua essência.

Não vou deixar que o preconceito vença
E o mal da maioria me frequente.
Eu quero o entendimento do doente
Bem mais que o apontamento da doença.

E se o doente agride meus sentidos,
E agride a mim, porque, despreparado,
Não sei lidar com óbices reais,

Abraço essa agressão como um pedido,
Entrego o ouro meu todo ao bandido,

Desarmo o monstro, e não há monstro mais!

sábado, 6 de julho de 2013

Vacinado


Ouvindo música de verdade,
Pensando no que tem substância,
Sustento na mente pujança
De antídotos contra saudade.

Não permito ao medo que me invade
Encontrar parceiro para dança:
Fio-me na noite, que é criança;
Chamo de presente a liberdade.

E quando o impulso negado volta,
Abalando juras e certezas,
E a mão da mão da firmeza solta,
Invisto em outras formas de beleza:

Paixão se combate com paixão,
Que pode ser de carne e osso ou não.