Era difícil falar com heróis e fadas
E pessoas menos bonitas que desenhadas.
Era difícil falar com portadores de certezas
E com as bocas cheias do prazer da mesa.
Era difícil falar com o vocabulário que eu tinha
E com sentenças-princípios de gente cretina.
A "democracia" do meu entorno era o não,
Fabricado nos profundos do pulmão.
A "inclusão" ao meu redor era o grito mais alto
Que sobrepunha quaisquer conclusões a quaisquer fatos.
A voz subia escadas de agonia.
O conteúdo do dizer era o próprio direito
De dizer o que dizia.
Eu não queria ser aceito por ninguém naquele momento.
Eu queria tirar as borboletas de dentro.
Queria respostas a perguntas sem dúvidas,
Talvez ser nauta de águas turvas.
Falava às paredes e aos cães que me lambiam
Numa poesia a que faltavam adereços de poesia,
Voz de pirralho enlevado com a guitarra nova,
De criança embirrando: criança, uma ova!,
De um certo alguém em certo ritual só seu,
De presumido gigante em pele de pigmeu,
De porta-voz de amigos imaginários,
Garganta sem escopo em seus disparos.
Falava a quem queria ouvir as canções do momento,
Mas de que valeria, Cássia, lançar palavras ao vento
Se o deus do vento tivesse cera nos ouvidos,
E as sereias não sorvessem meus gemidos?
Era difícil falar de assunto interessante
Sem ouvidos que sacassem o adiante
Além do ali diante.
Difícil almejar tesouros não cobiçados
Sem lidar com estranhamentos de sensos solidificados.
Difícil perceber que eu falava sozinho
E que esse prazer era menos que carinho
E muito mais que poder.