sábado, 12 de maio de 2012

Acerto ortográfico


Os dois que remam, e unidos flutuam,
e fundem-se na intenção da travessia,
quando estacionarem o barco, desembarcarem na areia
e experimentarem os corpos na imensidão da praia,
abrirão os braços não apenas para açambarcar um ao outro,
mas também para colocar na arca da existência
tanto sol, tanto tempo, tanto espaço, tanta natureza:
inventarão o abarço (mais amplo que o abraço) e o aperço (misto de apreço e aperto)
para aquilo que atracar no porto do peito, abençoado,
precioso.

Silêncio profundo


Preciso entender esse silêncio profundo,
já que tenho de vivê-lo.
- Não que a compreensão compense o estranhamento,
mas ela pode transfigurá-lo.
- Não que a transfiguração do estranhamento afete o silêncio;
talvez apenas prepare para sua consistência.
- Não que o silêncio assuma uma consistência:
ele apenas a exerce.
- Não que o silêncio em exercício mire algo,
mas pode minar o ego esparramado pelos ossos.
- Não que seja possível escutar o tremor dos ossos,
mas tenho de pelo menos vivê-lo, nesse silêncio profundo,
estranhamente preciso.

sábado, 5 de maio de 2012

Por ti


Acordar,
mas antes de acordar sonhar contigo,
perfumar as horas do sonho com tua imagem,
perfumar as dobras do corpo com teu suor.

Acordar,
lembrar de ti enquanto o corpo acorda por inteiro,
preparar a refeição de que mais gostas,
como se tua presença fosse iminente,
escovar os dentes e coçar as costas,
jogar água no rosto e lembrar de ti,
enquanto perfumo as dobras do corpo
por sonhar contigo.

Sair
com a pressa de quem acorda por inteiro,
passo a passo na estrada da vida,
quando todas as estradas têm o mesmo objetivo,
como se o horizonte contigo fosse iminente,
saltar da condução no ponto exato,
atravessar faróis, lembrar de ti,
do local exato do teu trabalho,
em frente ao qual montarei vigília,
horas e horas de sonho com tua imagem,
com a ânsia de quem perfuma as dobras do corpo
que têm todas o mesmo objetivo.

Calcular,
mas antes de calcular sonhar contigo,
para que a conta seja exata, e todas as contas
têm o mesmo objetivo, observar
as pessoas que entram e saem e voltam
e dizem bom dia, boa tarde, boa noite,
lembrar de ti em cada sílaba pronunciada
pela boca de cada passante, que vejo em vigília
alimentada pela ânsia que em tua ausência
faz cada dobra do corpo sonhar contigo.

Partir,
abandonar o posto, que tu não passas,
e no local exato do teu trabalho,
que é meu trabalho também, lembrar de ti
enquanto perfumo as dobras do corpo dolorido
com a ânsia das horas e horas do mesmo objetivo,
saltar da condução no ponto exato,
chegar em casa na conta exata das horas e horas,
de tantos que entram e saem e voltam, lembrar de ti,
com a pressa de quem acorda por inteiro.

Mas dormir,
negar à consciência o entendimento do malogro,
as mãos imóveis, o peso em cada músculo e cabelo,
figuras translúcidas que entram e saem e voltam,
enquanto estendo lençóis por horas e horas e horas,
escovar os dentes e coçar as costas,
fazer promessas, ouvir tuas respostas,
fechar a vista e o expediente em cada dobra
do corpo alimentado pela ânsia
de perfumar a existência no momento exato,
no momento exato de sonhar contigo
antes de acordar.

Ao invasor


Começaram a dizer que eu era o que não era,
Uma falação sem nenhum sentido,
Interpretações impensadas e irresponsáveis
Daquilo que eu sequer havia dito,
Explorando lacunas que nem sabia ter deixado.

Depois, transformaram ilações em certezas,
Ajustando fatos a fofocas, distorcendo tudo.

Se não bastasse, ainda angariaram incautos,
Usando a cobertura de discurso coeso para esse bolo de ideias
Aleatórias, maldosas e parcamente fundamentadas.

Violaram meus segredos de Estado de Espírito -
Isso que para mim sempre fora inconcebível - e então
Desisti da postura desarmada da boa-fé.
Agora, no meu quadrado, não pisa quem me pisar.



Gerentes

Pedantes dantes pedintes.
Semblantes antes sem dentes.
Regentes ontem gementes.
Sorventes contra serventes.

As mais possantes dentre as serpentes
são pensantes
e foram gentes.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Essas canções

Essas canções que você sussurra
trazem algo da nossa história,
algo que não se pode projetar
a plenos pulmões para o mundo.

Enquanto o som é leve em sua boca,
o toque de meus dedos também canta,
de forma sussurrada em sua nuca,
essas canções da nossa história.

Antes que o sol se ponha lá fora,
sua cabeça será pluma no meu colo,
e, depois, olhos semiabertos passearão
pelas notas não-musicais dessas canções.

E um dia essas canções serão lembranças
cantadas por novas vozes em tons mais firmes
e bocas convictas de cabeças que não pendem
antes do pôr do sol lá fora.


Bioblablá

Quando um macho alfa,
um outro beta,
e a fêmea gama.