sábado, 23 de junho de 2012

Decadância

Modas de dez anos antes
eram decadantes,
nunca decadentes.

Mas, dez anos depois,
as mesmas modas são os dois.

Simmento

Não ser quem sou
é simples:
é só pensar
no cetro.

Mas ser quem sou
é nato:
é não tosar
meu sim.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Teima



Todas as naus partiram
Todos os aviões decolaram
e eu continuei vagarosamente trilhando as sendas

Todos os olhos se fecharam
Todos os heróis desfaleceram
e eu continuei cônscio e feroz de atrevimento

Todos os ídolos se ofuscaram
Todos os gurus capitularam
e eu continuei despertando os indolentes sóis

Todas as bandeiras foram recolhidas
Todas as fronteiras foram rechaçadas
e eu continuei erguendo os punhos da vitória

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Parlenda


Não vou mostrar meus olhos tristes, tristes, tristes,
meus olhos tristes de marré, marré deci,
porque eu conservo uma ilusão de que inda existe
um eu melhor, só pra você, que eu construí.

E eu vou cantando, vou dançando, vou seguindo,
até que um dia essa ilusão pesque que é,
que é razão de seu olhar sereno e lindo,
sereno e lindo de marré, marré marré.

sábado, 19 de maio de 2012

Espera


Eu ficava esperando você chegar
na melhor parte das tardes minhas.
E enquanto esperava, eu lia,
cavalgando via personagens
os campos férteis da querença.

Na melhor parte das tardes minhas,
enquanto eu esperava, lia
os encartes dos discos de sempre,
os das músicas já decoradas
e impregnadas de tempo de espera.

Eu ficava esperando você chegar
e, impregnado do tempo de espera,
brincava de arrumar as tralhas,
de sentir a textura dos presentes
que me dei, premiando a paciência.

Na melhor parte das tardes minhas
eu somava capítulos aos sonhos
e novidades às que você traria
quando findassem os anos infinitos
em que ficava esperando você chegar.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Dívida



Quem pode julgar qual seria meu mérito
De ter nascido onde nasci, pleno em saúde,
Bem de pais e país, num certo e exato momento
De uma manhã de janeiro propícia e acolhedora?

Quem pode saber que mérito é esse
Que me deu as condições de estudo e interesse
Suficientes para que eu criasse os descaminhos
Que me tiraram do óbvio e provocaram meus dons?

Quem pode entender o exato porquê desse mérito
De ter a vida cruzada por almas maravilhosas
Tão frequentemente e de forma tão solícita
Que até pareciam enviadas de uma intenção de proteger?

Quem pode dar a palavra definitiva
Sobre o que fiz ou não fiz para que houvesse
Um trabalho, uma história, uma produção, uma oportunidade,
Algo a dizer para alguém que quer e pode e tenta ouvir?

E quanto a ser amado? Meu Deus, quem pode pensar
O tamanho do prêmio de sentir na escuridão
A mão firme e etérea a me conduzir ao bem
Sem nada pedir a não ser que eu acredite?

E até isso: os acasos. Escolhas que não fiz, de fados a quem servi.
Quem pode julgar o mérito de meus acasos?
Quem pode compreender a alegria que senti no dia
Em que deixei de acreditar em acasos, mas ainda não os dominava no tino?

Talvez meu único e intransferível mérito seja, em tudo isso,
O sentimento de dívida com a Parte Grande do Mundo
Que me coloca pronto a oferecer-me por inteiro
Na tarefa de ousadia que é embelezar meu tempo.

sábado, 12 de maio de 2012

Deenear



Se abrigaste sempre, brota.
Se gestaste sempre, nasce
sem que seja feita escolha,
sem que ninguém teça a malha:
de dentro pra fora se monta,
de fora pra alhures se mostra,
de fato, de forma, de fala,
de N fatores se vale,
de N alicerces se encampa,
como pura autonomia,
como por autoridade,
se abrigaste, sempre brota,
se gestaste, sempre nasce.