sábado, 22 de setembro de 2012

Vitamina ser

Se o poderoso é cruel
e o cidadão é laranja,
já há remédio político:
a força de mãos calejadas
tem de espremer o laranja
até tirar ácido crítico.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O salto mortal


Adalberto trancou a porta do banheiro
para poder chorar copiosamente.
Eram em vão as tentativas de imitar
o salto mortal executado
por seus ídolos dos filmes de Hollywood.

Enquanto Adalberto chorava sozinho
homens proclamavam o ódio contra nações,
e nações devolviam o ódio em bombas.
Conspirações atingiram embaixadas mundo afora,
reações foram cobradas e rapidamente
posicionaram-se os líderes dos gigantes armados.
Pessoas saíram às ruas perdidas
pedindo desculpas pelo que não tinham feito,
mas as bombas que rugiam na queda inevitável
eram surdas.
Aqueles que ajudavam, arrependiam-se de ajudar
quando os ajudados tomavam seus parcos tetos
e expulsavam sem cerimônia suas famílias.
Os que odiavam armas eram poupados mais alguns segundos,
mas eram meros instantes antes que se afogassem na tragédia.
Armas químicas cruzaram o céu da metrópole,
e o sol nasceu na noite, e nasceu verde,
e uma chuva refrescava as peles derretidas
daqueles que imploravam pelo fim de seu martírio.
Mísseis derrubavam prédios sobre prédios,
e um a um todos os abrigos voltavam ao pó primário.
A cada acerto de mira
membros arrancavam-se de corpos e cabeças
despedaçavam-se em partículas de crânio
que há poucos segundos consciência comportavam,
e agora mal serviriam aos cães.
Mas nem os cães eram poupados, e na sangria atômica
de seus intestinos expostos ao calor de mil graus,
reconfortavam-se criaturas de esgoto (agora refúgio)
tingindo-se do sangue em chamas e da cor da vida em putrefação.

Quando Adalberto acabou de chorar
já não havia ruídos lá fora.
Ele abriu a porta e caminhou pelo que restava da casa,
firme e decidido, cruzou as poucas vias secas de chorume,
pisou nas poucas pedras não estraçalhadas das avenidas,
tomou cuidado de não tropeçar em nenhum dos corpos mutilados pelo chão,
e chegou à antiga quadra pública, agora sopa de destroços,
onde ainda se viam sombras com mãos erguidas e olhares desesperados.
Cerrou os olhos vermelhos, cerrou os punhos de raiva,
mirou um espaço vazio caminhável, deu dez passos para trás,
correu sentindo um arrepio subir à garganta,
saltou,
rodou no ar uma vez,
percebeu o completo do giro,
sentiu seus pés firmes no chão no retorno.
Perfeito!
Ele conseguira!
Agora, fazia parte de um grupo seleto;
agora, honrava todos os esforços de uma vida;
agora, era digno de ter um nome nos anais,
um exemplo de superação e autoestima.
Igualara-se aos heróis do mundo atual,
e, sabendo disso, emitiria
um atordoante grito de realização,
alegria, conquista, plenitude.

Pena que já não havia mais ninguém para ouvi-lo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Sete de setembro


Com tantos
irresponsáveis pelo mundo,
ser responsável pelo mundo
parece pura ficção.

No entanto,
pondero a coisa noutro nível:
respondo, amável, que é possível
que o nosso mundo fique são.

E eu tampo
meus sãos ouvidos ao cinismo,
à hipocrisia e ao pessimismo
dessa  galera sem noção

e encampo
nesta canção de amor gigante
a decisão de ir adiante
no meu projeto de nação.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Demeritocracia


Se esse rapaz continuar policiando seus impulsos
quando a fatia mais grossa é colocada à sua frente;

se insistir em dizer exatamente o que pensa
contra quem se acostumou ao canto safo das sereias;

se persistir no seu dever como algo inegociável
e mantiver a eviterna assiduidade e o compromisso;

se insistir em recusar as prostitutas e os subornos,
e as alianças de teor oportunista, e peitas tais;

se não deixar de ter orgulho do amor-próprio e do caráter
para afogar seus pundonores na piscina dos comprados,

serei obrigado a ter pena
das decisões que levaram
seu pobre barco ao naufrágio.

Esse rapaz lamentável
nunca será nada além
de um mero homem decente.

sábado, 11 de agosto de 2012

Perdurar


Música é prece
Curte-se sem pressa
Livros são portas
Abrem-se aos poucos

Quadros são pistas
Vistas de pontos
Filmes, espectros
de sonhos do peito

Estátuas são partes
pintadas do espaço
Danças são torpentes
Peças são dopantes

A arte é o mais potente
devagar do de repente:
sem rompante,
sem parar,
completamente.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

De faíscas e radares


A matéria de várias cores e matizes
passa despercebida no mundo.
De que adiantam energias intensas
quando as pessoas deixam radares de luto?
É como se todas as perguntas fossem jogadas no lixo
e o filme tivesse a mesma cena por quatro horas.
É como se o Davi já estivesse no mármore,
como se flores fossem robôs dos bem-te-vis.

Não há nada de perfeito num riso sem carne,
riso inflexível de fantoche fútil.
No livro aberto do estar-no-mundo,
é a sede, e não a água, que move os moinhos.
O olho que não adivinha, não vê.
O lábio que não beija, não saboreia.
A palavra que preenche espaços nada revela.

Eu ainda estou esperando o seu convite,
estou aguardando suas asas se abrirem
para o vento que evitam.
Não tema.
As faíscas sobrevivem ao assédio do bom senso,
as verdades pixam dúvidas em muros vigiados,
os bichos falam, os mares bradam,
as sombras ainda podem dançar.

Eu ainda estou esperando o seu convite.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Saúde



Eu ainda posso ver
o menino idealista,
com sangue irrigando a garganta,
neurônios e nervos saltantes,
não muito além deste peito,
não muito longe.

Eu ainda posso ser o que eu quiser.
A lua ilumina a estrada
mesmo quando o sol se esconde,
e a questão não é "quanto tempo?",
a questão é "onde?".

As vontades envelhecem,
as intenções se renovam.

E o corpo apenas responde.