sábado, 28 de dezembro de 2013

Soneto da rede social


Aguardo a tua última postagem
Postagens explorando, aleatórias.
Aguardo o desenlace dessa história
Como um tigre faminto e sem coragem.

Quem dera uma indireta de passagem

Moesse as esperanças irrisórias,
Trazendo-me saudades e memórias
Maiores que o atrativo das bobagens.

No fundo, satisfaço-me em imagens

Que servem de alimento e fantasia
Às fábulas que a rede me permite.

E enquanto minha mente está vazia,

A foto, o riso, a voz e outras miragens
Aguardo em meu estúpido apetite.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Jovem tagarela


Era difícil falar com heróis e fadas
E pessoas menos bonitas que desenhadas.
Era difícil falar com portadores de certezas
E com as bocas cheias do prazer da mesa.
Era difícil falar com o vocabulário que eu tinha
E com sentenças-princípios de gente cretina.

A "democracia" do meu entorno era o não,
Fabricado nos profundos do pulmão.
A "inclusão" ao meu redor era o grito mais alto
Que sobrepunha quaisquer conclusões a quaisquer fatos.
A voz subia escadas de agonia.
O conteúdo do dizer era o próprio direito
De dizer o que dizia.

Eu não queria ser aceito por ninguém naquele momento.
Eu queria tirar as borboletas de dentro.
Queria respostas a perguntas sem dúvidas,
Talvez ser nauta de águas turvas.
Falava às paredes e aos cães que me lambiam
Numa poesia a que faltavam adereços de poesia,
Voz de pirralho enlevado com a guitarra nova,
De criança embirrando: criança, uma ova!,
De um certo alguém em certo ritual só seu,
De presumido gigante em pele de pigmeu,
De porta-voz de amigos imaginários,
Garganta sem escopo em seus disparos.

Falava a quem queria ouvir as canções do momento,
Mas de que valeria, Cássia, lançar palavras ao vento
Se o deus do vento tivesse cera nos ouvidos,
E as sereias não sorvessem meus gemidos?

Era difícil falar de assunto interessante
Sem ouvidos que sacassem o adiante
Além do ali diante.
Difícil almejar tesouros  não cobiçados
Sem lidar com estranhamentos de sensos solidificados.
Difícil perceber que eu falava sozinho
E que esse prazer era menos que carinho
E muito mais que poder.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Bolinhos de chuva


Conte sua história
Antes que ninguém mais pergunte.

Declare descaradamente seu amor
Enquanto o impulso tem palavras.

Ria de si mesmo e siga em frente
Enquanto seus pés têm saúde.

Se há uma pessoa linda,
Convide-a para dançar.

Se você se sente perfeito,
Roube um brigadeiro da mesa.


Cante aquela canção
Cuja letra você nunca soube.

Atinja um alvo
E comemore comendo um bombom.

Dê presentes todo dia.
Faça carinho nos seus bichinhos.

Beije os olhos de uma criança
E deixe ela sair correndo.

Grite palavrões ridículos
E as raivas divertirão os amigos.


Bata palmas para o sorriso
E para o sol que desabrocha.

Olhe as diferenças do céu
Enquanto nem todas brilham em cinza.

Diga o que pensa
Para saber com clareza o que sente.

Abrace uma árvore
Antes que seja tarde.

Abrace seu mundo
Enquanto chamá-lo de seu.


sábado, 7 de dezembro de 2013

Decrepitude


Bate o vento na janela,
Bate o vento no jardim,
Treme a chama desta vela,
Como o tempo treme em mim.

Bate o vento como os dias
Batem forte na vaidade.
Treme a vida, enfrenesia,
Contra as pústulas da idade.

Bate o vento desfolhante
No jardim de quem foi gente.
Corta o flor do meu semblante,
Deixa vácuo intermitente.

Bate o vento na ferida,
Leva o dente-de-leão.
Leva o leve desta vida
Deixa a dor da escuridão.


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Canção fremente


Queria que os arrepios da pele pudessem tanger as cordas de um violão.

Queria que o tremor das pálpebras pudesse pulsar sobre os canos de um xilofone.

Queria que os espasmos dos músculos pudessem impulsionar o sopro dos metais da orquestra.

Queria que as palpitações do peito pudessem chocar pratos, socar bumbos, soprar tubas profundas.

Maestro do meu amor,
partitura do meu prazer,
intérprete da minha febre,
queria gemer tão alto
que a melodia do tato,
do pelo, do corpo, da pélvis,
derramasse do copo da arte
para a mesa do banquete,
talheres cruzados nos pratos,

restos de mel e exaustão.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pela união


De que adianta estar munido
De um coração tão miúdo,
Danado de imundo e de mudo
Desnudo num mundo cindido?


Mude-o, querido. Isso é tudo.

domingo, 10 de novembro de 2013

Diálogro


A grande maioria das pessoas,
Nas situações de conversa,
Não sabe absolutamente nada
Sobre aquilo de que fala.

Inseguras em relação à imagem
Que podem passar, de superficiais,
As pessoas dizem o que não sabem
Com a mais profunda convicção.

E a grande maioria das pessoas
Que se cala em situação de conversa
Tende a concordar com a mais convicta
Das pessoas que falam ali.

As pessoas concordarão de boa.
Dá mais trabalho discordar,
Não estão prestando atenção,
Ou também nada sabem daquele assunto.

Portanto, não se incomode se ninguém compreende
O que você traz de interessante,
Ou se, diante de certos caras de pau,
Você parece sem brilho.

A grande maioria das pessoas
Está programada para não ouvir
Nem mesmo aquilo que já sabe
Ou que deveria saber,

E a desenvoltura imensa
De seus intermináveis discursos
Deve ser medo de ouvir um diferente
Dentro de si.