Abra essa porta e você encontrará livros
guiando um neófito no mundo das ideias,
e talvez alguns rascunhos de percepções
menos nobres, mas passíveis de proveito.
Abra essa porta e você encontrará coisas
cujo valor em dinheiro bem aquém está do luxo,
e talvez alguns objetos nitidamente inúteis
cujo valor é dado pela permanência.
Abra essa porta e você encontrará música,
música das palavras entoadas sem discurso,
música dos suspiros, dos cansaços e dos prantos,
música de um violão que absorve qualquer ai.
Abra essa porta e você encontrará projetos
que desculpam-se de cara pela ausência de ganância,
mas que estendem-se no tempo do espírito insatisfeito
como se durassem desde o mesmo sempre.
Abra essa porta e você encontrará um tesouro
entre os destroços do homem que ainda vive na casa:
um coração deixado sobre a mesa da cozinha,
dois braços de cadeira abertos infinitamente.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Ruídos da urbe
Noticiário de TV informa agora
outra desgraça, e mesmas cartas do baralho.
Nas propagandas, propagando-se em disputas,
celebridades com sorrisos de espantalho.
Infelizmente navegar não é preciso.
Acesso a rede e mais do mesmo encontro, tonto.
Copio e colo, clico e teclo, arrasto e solto,
Chateio e blogo, e volto sempre ao mesmo ponto.
Navego o dial do meu rádio em desespero,
e o telefone toca, e é só um aparelho.
E a campainha toca, e é só um tagarela
botando a Fé em mim, e fé no meu dinheiro.
E os olhos fecham, porque a noite se aproxima,
e só então me sinto inteiro, e leve, e longe,
e enquanto a música da urbe estraga o clima,
eu sorvo a música do cosmos como um monge.
outra desgraça, e mesmas cartas do baralho.
Nas propagandas, propagando-se em disputas,
celebridades com sorrisos de espantalho.
Infelizmente navegar não é preciso.
Acesso a rede e mais do mesmo encontro, tonto.
Copio e colo, clico e teclo, arrasto e solto,
Chateio e blogo, e volto sempre ao mesmo ponto.
Navego o dial do meu rádio em desespero,
e o telefone toca, e é só um aparelho.
E a campainha toca, e é só um tagarela
botando a Fé em mim, e fé no meu dinheiro.
E os olhos fecham, porque a noite se aproxima,
e só então me sinto inteiro, e leve, e longe,
e enquanto a música da urbe estraga o clima,
eu sorvo a música do cosmos como um monge.
Low-tec
Tudo se transforma com grande velocidade.
Eu insisto em dormir até tarde.
Encurtam-se as distâncias no mundo globalizado.
Eu não sei o nome do vizinho aqui do lado.
Todos se maravilham com tanta transformação.
Eu morro de medo de avião.
O mundo está dinâmico, ágil e informatizado.
E eu ainda abotoo a camisa errado.
Eu insisto em dormir até tarde.
Encurtam-se as distâncias no mundo globalizado.
Eu não sei o nome do vizinho aqui do lado.
Todos se maravilham com tanta transformação.
Eu morro de medo de avião.
O mundo está dinâmico, ágil e informatizado.
E eu ainda abotoo a camisa errado.
sábado, 30 de janeiro de 2010
Airétaminta
O grande amor da minha vida
era de antimatéria.
Nós nos desintegramos
quando dei um beijo nela.
Mas nosso amor continua
como emissão de energia,
atravessando a via láctea
dia após dia.
era de antimatéria.
Nós nos desintegramos
quando dei um beijo nela.
Mas nosso amor continua
como emissão de energia,
atravessando a via láctea
dia após dia.
sábado, 16 de janeiro de 2010
Sentudo
- Levante e peça! - dizia,
se alguma coisa queria,
minha vontade. Contudo
vontade alheia mandava,
quando me inquieto pegava:
- Senta já e fica mudo!
Quem dera que força bruta
gerasse a gana de luta
de um espírito marrudo!
Mas, não. Já virei piada:
de tanto sentar sem nada,
virei por certo "sentudo"...
se alguma coisa queria,
minha vontade. Contudo
vontade alheia mandava,
quando me inquieto pegava:
- Senta já e fica mudo!
Quem dera que força bruta
gerasse a gana de luta
de um espírito marrudo!
Mas, não. Já virei piada:
de tanto sentar sem nada,
virei por certo "sentudo"...
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
As coisas menores
Fizemos um show no Largo do Belenzinho
para um público típico de quermesse.
Cantei algumas, toquei outras, amigos foram,
família foi, e tal. Íamos embora, chega a garotinha.
"Para você". Me deu uma balinha de hortelã.
Pura ternura.
Sonhei que estava pajeando cachorrinhos
recém-nascidos, mas menores que o habitual.
Eu colocava o dedo indicador para lamberem,
e eles testavam dentição dando mordidinhas.
Vontade de pegar no colo, mas ainda eram muito minis.
Cócegas doces.
De vez em quando, passando pelas ruas
daqui de perto do meu trabalho na escola,
uma menina - sempre ela - me vê de longe, e vem,
e pula no meu pescoço, sorrindo. Isso desde a terceira série.
Às vezes dói um pouco, que minha coluna
já não está tão resistente aos trinta e tantos,
mas sempre deixo.
Quando sinto falta de você, não exatamente
desejo grandes trepadas, toda a atenção do mundo,
condescendência, cumplicidade, ou amparo.
Percebo, no lugar disso, que ter você ao meu lado
não tem gosto de balinha de hortelã,
nem de mordidinha de cachorro, nem de pulo no pescoço.
E deveria.
para um público típico de quermesse.
Cantei algumas, toquei outras, amigos foram,
família foi, e tal. Íamos embora, chega a garotinha.
"Para você". Me deu uma balinha de hortelã.
Pura ternura.
Sonhei que estava pajeando cachorrinhos
recém-nascidos, mas menores que o habitual.
Eu colocava o dedo indicador para lamberem,
e eles testavam dentição dando mordidinhas.
Vontade de pegar no colo, mas ainda eram muito minis.
Cócegas doces.
De vez em quando, passando pelas ruas
daqui de perto do meu trabalho na escola,
uma menina - sempre ela - me vê de longe, e vem,
e pula no meu pescoço, sorrindo. Isso desde a terceira série.
Às vezes dói um pouco, que minha coluna
já não está tão resistente aos trinta e tantos,
mas sempre deixo.
Quando sinto falta de você, não exatamente
desejo grandes trepadas, toda a atenção do mundo,
condescendência, cumplicidade, ou amparo.
Percebo, no lugar disso, que ter você ao meu lado
não tem gosto de balinha de hortelã,
nem de mordidinha de cachorro, nem de pulo no pescoço.
E deveria.
domingo, 27 de dezembro de 2009
Nobreza
Digo-lhes baixo, meus amigos: sou um rei.
Eu sou um camuflado imperador,
vagueando em segredo para ouvir
o "bom senso" dos que falam sem parar
na berlinda de bares abarrotados.
Toco as mãos dos que imploram ofertas,
finjo medo dos que furtam-me espécies,
e quando a polícia vem, rapidamente
baixo a guarda, o espírito e a cabeça
e não reajo à batida - embora queira -
em respeito aos que suam taciturnos.
Vasculho cada sarjeta, cada minúsculo
esconderijo dos detritos dos plebeus.
Frequento cada toca, cada cubículo,
não recuso convites de fantasmas.
E à noite, sem carruagem, coxia,
sou recebido pelo tapete vermelho
do respeitoso silêncio, e me arremesso
ao trono de espuma comprado a prazo,
de onde posso comandar tudo o que vi.
Milhões de páginas, milhares de estações,
centenas de canais e de programas
que no mínimo abrangem os sete mares
- e, portanto, também toda a cidade -,
representam universo a meu dispor.
Meu mordomo eletrônico oferece
cardápio inigualável, mas desejo
sempre um mesmo show: o que apresenta
justamente o nomadismo de minha vida
nos becos intangíveis e a insistente
sensação de que ainda não reinei.
Mas quem diria? Um rei que tem
o mundo, acreditem, outra coisa
procura distinta do domínio
daquilo que tão fácil manipula!
É verdade, amigos. Não procuro
a primavera da História,
o bálsamo dos justos,
a compreensão de uma verdade fugidia,
as regalias e os manjares,
ferraris, recepções, insígnias...
Não procuro a salvação da alma
nem do corpo, nem da lavoura arcaica...
Não procuro um país meu, um meu lugar...
Não procuro os montes, os vales, os ares...
Procuro outra Romy Schneider.
Eu sou um camuflado imperador,
vagueando em segredo para ouvir
o "bom senso" dos que falam sem parar
na berlinda de bares abarrotados.
Toco as mãos dos que imploram ofertas,
finjo medo dos que furtam-me espécies,
e quando a polícia vem, rapidamente
baixo a guarda, o espírito e a cabeça
e não reajo à batida - embora queira -
em respeito aos que suam taciturnos.
Vasculho cada sarjeta, cada minúsculo
esconderijo dos detritos dos plebeus.
Frequento cada toca, cada cubículo,
não recuso convites de fantasmas.
E à noite, sem carruagem, coxia,
sou recebido pelo tapete vermelho
do respeitoso silêncio, e me arremesso
ao trono de espuma comprado a prazo,
de onde posso comandar tudo o que vi.
Milhões de páginas, milhares de estações,
centenas de canais e de programas
que no mínimo abrangem os sete mares
- e, portanto, também toda a cidade -,
representam universo a meu dispor.
Meu mordomo eletrônico oferece
cardápio inigualável, mas desejo
sempre um mesmo show: o que apresenta
justamente o nomadismo de minha vida
nos becos intangíveis e a insistente
sensação de que ainda não reinei.
Mas quem diria? Um rei que tem
o mundo, acreditem, outra coisa
procura distinta do domínio
daquilo que tão fácil manipula!
É verdade, amigos. Não procuro
a primavera da História,
o bálsamo dos justos,
a compreensão de uma verdade fugidia,
as regalias e os manjares,
ferraris, recepções, insígnias...
Não procuro a salvação da alma
nem do corpo, nem da lavoura arcaica...
Não procuro um país meu, um meu lugar...
Não procuro os montes, os vales, os ares...
Procuro outra Romy Schneider.
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