sábado, 29 de novembro de 2014

Amizade colorida


Amizade colorida. De que cor?
Cor de faísca chispada
De afago detonador.

Amizade colorida. De que cor?
Infravermelho da face,
Que o face a face entregou.

Amizade colorida. De que cor?
Cor de carvão na fogueira,
Entre as cinzas e o rubor.

Amizade colorida. De que cor?
Cor de burro quando foge

Depois que se apaixonou.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Por quem cativas




Por um momento recusei a sorte
E o sentimento que não compreendi,
Pois não podia ter um ser em si
Tal dimensão, tal posição, tal porte.

Por um momento desejei o corte
Da relação que começava ali,
Por um momento quase decidi
Mostrar-me fraco, inadequado ao forte.

Mas logo veio à consciência-guia
O entendimento de que o meu temor
Era do encargo que eu assumiria

Quando aceitasse a acidental magia
De ter o olhar de encanto a meu dispor
De alguém maior do que eu jamais seria.

domingo, 2 de novembro de 2014

Pichação







No alto do prédio,
Um símbolo de tédio
Que é mais que um desenho:
É o arroubo do roubo do olhar
Que agora tenho.



quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Coruja











Escuro e vazio
é o céu que impera. E a coruja
dispara seu pio.


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Ensaio


Tenho certeza
De que o momento
Duro e silente
De sentir os olhos
Escurecerem,
De perder os sentidos
Contra a vontade,
De ganhar a inconsciência
Na travessia
Da vigília ao sono
É um ensaio diário
Da morte.

Tenho certeza disso
Porque meus sonhos
São um ensaio diário
Da eternidade da paz
Que vem depois.




sábado, 18 de outubro de 2014

Entradas


Para abrir as portas da multidão,
palavras-chave.
Para abrir as portas da sociedade,
peças-chave.
Para abrir as portas dos gabinetes,
figuras-chave.

Para o que realmente importa
(inferno, purgatório, paraíso,
amor, ódio, indiferença,
profundidade, amplitude, permanência),
toque a campainha
e espere o coração atender.


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Quatro operações


Um dia
aprendemos a somar,
e entendemos como inevitáveis  -
e aprendemos a aguardar -
mais uma noite de lua suntuosa,
mais um abraço de um sobrinho,
mais uma refeição reconfortante,
mais uma travessia de riacho,
mais um rabisco para não ser lido,
mais um pingo de alegria
memorável ou esquecível,
pouco importa,
desde que devidamente assimilado
no um.

Depois de algum tempo,
com o hábito dos fatos,
aprendemos a subtrair,
a compreender como evitáveis
as por vezes inesperadas
somas que fazem a conta
dar menos que um.
Menos um abraço forjado,
menos uma garatuja de tédio,
menos uma fuga pelos fundos,
menos um gole sem sede,
menos um dia sem espantos,
menos um fio de cabelo
arrancado ou decaído,
pouco importa,
mas quedado por desengate
do ser.

Passam-se os anos, implacáveis,
entre perdas e planos,
e, a despeito de subtrações e somas,
sabemos que ainda há um.
Continuando, entretanto, no outro:
onde habitar um ser humano,
alguma unidade há de erigir-se,
sendo bilhões de unidades,
comendo do mesmo planeta,
às vezes com mesmas ideias,
às vezes no mesmo lugar.
E ao procurar estender-se no outro,
o uno aprende a multiplicar, e a valorizar
as várias versões da ceia coletiva,
os diversos abraços e a troca de energias,
as idas e vindas e os companheiros de viagem,
as ideias que se avolumam sobre um mesmo assunto,
os dias e noites e auroras e arrebóis e demais tempos
na alegria e na tristeza,
pouco importa,
desde que se comuniquem as gentes
e comerciem.

Finalmente,
quando o tempo já consegue nos escutar
e a multiplicidade dos rumos
pede ao corpo limitado uma escolha sã,
aprendemos a sentir nosso "um" no coração alheio:
aprendemos a dividir.
E descobrimos que nossa impermanência,
matematicamente comprovada pelo silêncio das eras,
não tem a dimensão nem o peso de nossa capacidade
de compartilhar com reverência e paixão
o abraço que deveria abarcar o recalcitrante,
o pão que deveria estar em cada mesa,
a arte que deveria trescalar nos poros de cada povo,
os rastros dos que ergueram os templos onde nos protegemos do sol,
o próprio Sol, com todo seu sistema a girar para lunetas curiosas
todas as prendas que a explosão divina distribuiu para os olhos e as mãos
de gente que sabe e que não sabe a que veio e onde vai parar,
pouco importa,
desde que seja gente que se faz mais gente
na caridade,
na compaixão,
no sim.