quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Quatro operações
Um dia
aprendemos a somar,
e entendemos como inevitáveis -
e aprendemos a aguardar -
mais uma noite de lua suntuosa,
mais um abraço de um sobrinho,
mais uma refeição reconfortante,
mais uma travessia de riacho,
mais um rabisco para não ser lido,
mais um pingo de alegria
memorável ou esquecível,
pouco importa,
desde que devidamente assimilado
no um.
Depois de algum tempo,
com o hábito dos fatos,
aprendemos a subtrair,
a compreender como evitáveis
as por vezes inesperadas
somas que fazem a conta
dar menos que um.
Menos um abraço forjado,
menos uma garatuja de tédio,
menos uma fuga pelos fundos,
menos um gole sem sede,
menos um dia sem espantos,
menos um fio de cabelo
arrancado ou decaído,
pouco importa,
mas quedado por desengate
do ser.
Passam-se os anos, implacáveis,
entre perdas e planos,
e, a despeito de subtrações e somas,
sabemos que ainda há um.
Continuando, entretanto, no outro:
onde habitar um ser humano,
alguma unidade há de erigir-se,
sendo bilhões de unidades,
comendo do mesmo planeta,
às vezes com mesmas ideias,
às vezes no mesmo lugar.
E ao procurar estender-se no outro,
o uno aprende a multiplicar, e a valorizar
as várias versões da ceia coletiva,
os diversos abraços e a troca de energias,
as idas e vindas e os companheiros de viagem,
as ideias que se avolumam sobre um mesmo assunto,
os dias e noites e auroras e arrebóis e demais tempos
na alegria e na tristeza,
pouco importa,
desde que se comuniquem as gentes
e comerciem.
Finalmente,
quando o tempo já consegue nos escutar
e a multiplicidade dos rumos
pede ao corpo limitado uma escolha sã,
aprendemos a sentir nosso "um" no coração alheio:
aprendemos a dividir.
E descobrimos que nossa impermanência,
matematicamente comprovada pelo silêncio das eras,
não tem a dimensão nem o peso de nossa capacidade
de compartilhar com reverência e paixão
o abraço que deveria abarcar o recalcitrante,
o pão que deveria estar em cada mesa,
a arte que deveria trescalar nos poros de cada povo,
os rastros dos que ergueram os templos onde nos protegemos do sol,
o próprio Sol, com todo seu sistema a girar para lunetas curiosas
todas as prendas que a explosão divina distribuiu para os olhos e as mãos
de gente que sabe e que não sabe a que veio e onde vai parar,
pouco importa,
desde que seja gente que se faz mais gente
na caridade,
na compaixão,
no sim.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário