quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Família


Vi quatro homens ocupando
dois velhos colchões sobre a grama
e a terra do viaduto,
barranco do Minhocão.

Dentro de cada um deles,
havia um coração.

Dentro de cada coração
havia três companheiros
trocando bitucas molhadas
e algum café muito ralo.

Vi uma moça perfeita,
dentes e unhas afiados,
destoando de pai e mãe,
namorado, irmão e cachorro.

Dentro de sua mente
havia pai e mãe, namorado,
irmão, cachorro, inimiga,
chefe, shopping, cartão de crédito,
programa de TV e celular de ponta,
cada qual em sua posição,
ou mais ou menos isso.

Em seu coração,
não havia ninguém.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Superlua




A Lua gigantesca na janela.
Um livro aberto em versos eloquentes.
Um cobertor e um chocolate quente.
O silêncio mais sugere que flagela.

Estouro de pipoca na panela.
Vontade de levar pipoca aos dentes.
Resquícios de parceiros hoje ausentes.
Vontade de limpá-los na flanela.

Paredes condizentes com desejos
Tamanhos, incabíveis no organismo.
Telhados frágeis, prestes a explodir.

A luz da Lua mostra ao ser que ri
O amor, escancarando seu cinismo...
...e eu olho da janela e nada vejo.


segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Suor


Todos os dias,
imagens anunciam
com pompa e estardalhaço
que certas pessoas vencem
sem prece, sem cansaço
e com sorriso na face
falsos desafios
e falsas batalhas;
e todos os dias,
no olhar de outras pessoas,
aparece um brilho baço
por debaixo do disfarce,
exclusivo de quem já perdeu
mais que pedaço
nos fios de muitas navalhas.

Todos os dias
penso nessas conquistas
sem suor das axilas.
Para que fazer parte de listas
quando é medíocre produzi-las?
Por que manchetes de revista
dão tanta repercussão
a pessoas que ignoram
como se ganha o pão na pista?
Tanta contradição:
olhos de pessoas nobres choram
por olhos de quem jamais abriria mão
de seu pouco merecido e muito pão!

Mas todos os dias
consolo-me ao pensar, sentado à mesa,
que faço tudo o que posso
para abastecer a nossa vida da beleza
de um pão nosso.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Epifanias


O dia em que descobri
Minha fome
Passei a fomentar
A fantasia

O dia em que descobri
Do meu peito os sonhos
Passei inteiro
A sonhar


O dia em que descobri
Seu nome
Passei a nomear
O que eu queria.

O dia em que descobri
Do seu peito as senhas
Passei inteiro
Sem ar



sábado, 29 de novembro de 2014

Amizade colorida


Amizade colorida. De que cor?
Cor de faísca chispada
De afago detonador.

Amizade colorida. De que cor?
Infravermelho da face,
Que o face a face entregou.

Amizade colorida. De que cor?
Cor de carvão na fogueira,
Entre as cinzas e o rubor.

Amizade colorida. De que cor?
Cor de burro quando foge

Depois que se apaixonou.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Por quem cativas




Por um momento recusei a sorte
E o sentimento que não compreendi,
Pois não podia ter um ser em si
Tal dimensão, tal posição, tal porte.

Por um momento desejei o corte
Da relação que começava ali,
Por um momento quase decidi
Mostrar-me fraco, inadequado ao forte.

Mas logo veio à consciência-guia
O entendimento de que o meu temor
Era do encargo que eu assumiria

Quando aceitasse a acidental magia
De ter o olhar de encanto a meu dispor
De alguém maior do que eu jamais seria.

domingo, 2 de novembro de 2014

Pichação







No alto do prédio,
Um símbolo de tédio
Que é mais que um desenho:
É o arroubo do roubo do olhar
Que agora tenho.