quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Floreio




Risota dentro da missa,
Floreio dentro da nota,
Delícia dentro da dose,
Poesia dentro da prosa:


Maravilhosa simbiose.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Prova de amor



Se enviasse minha orelha
em envelope sanguíneo
aos seus atônitos cuidados;
se buscasse você com asas de cera,
e atravessasse os espaços da atmosfera
ignorando a verdade do sol;
se escrevesse milhares de versos
sedentos de uma única leitura,
ou de uma única leitora em potencial;
se prometesse construir um mausoléu
para recobrir joia, gema e pérola
que encantaram a menina dos meus olhos;
se tivesse essa força de tantos homens em um
para mostrar que um pode ser melhor que tantos
quando quer seduzir, impressionar, trazer o foco para si;
definitivamente, não seria eu.
Mas em minhas mãos plebeias haveria
uma legítima prova de amor.

Se bem que de um amor em pedaços:
de medo de não ser amado, que não é bem amor;
de orgulho de uma conquista, que não é bem querer;
de teimosia obsessiva, que não é bem nenhum;
de egoísmo controlador e narcisista, e de tudo isso
que é pedaço de amor quando está no todo
mas vira veneno no coração boçal,

ainda que estimule a verve e o movimento de vida
de poetas e cantores e homens de talento,
ou de ambiciosos vencedores das batalhas dos negócios,
ou de almas que só sobrevivem na incessante projeção de si,
ou de criaturas que somam virtudes
entre glória, poder, talento, persuasão e imponência.

Os simples como eu não provam seu amor.
Eles admiram palavras bem colocadas, presentes bem escolhidos,
promessas bem ajambradas e disposição de calar concorrentes,
porque tudo isso movimenta o mundo.
Mas sabem a quem está sendo dado o testemunho,
e, se são como eu, também sabem
que quem amamos não merece nossa incrustrada solidão.

Não serei, querida, o mocinho de bons modos e impecável limpeza
que abrirá a porta de uma carruagem tensa
a trotar sobre pedras de um planeta a construir.
Não serei a figura galante de príncipe encantado,
com a força dos canhões, dos cartões e das cortesias,
que vai fazer justiça a seus méritos de mulher.

Se bem me conheço, isso sim,
depositarei meu beijo em sua face no ápice do sono,
sairei de madrugada sem acordar as crianças,
comprarei leite e biscoitos na padaria da avenida,
retornarei para deixar as iguarias da manhã,
e rumarei de coração partido para o trabalho honesto
de quem espera voltar mais sofrido, mas sem dúvidas sobre o que é.

Cada um só pode dar daquilo que tem.
Eu só tenho você.

E, até que provem o contrário,
enquanto houver de fato amor,
não preciso provar nada para ninguém.
Nem para mim.


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Penetra


Sinto-me fora da festa,
e, pior: mirando da fresta,
sinto que lambo com a testa
o que o olho faminto espreita.

A cada concurso que se ajeita,
a cada editora que rejeita,
a cada boa alma que me oferta
uma receita,
sinto-me menos poeta.

Não fiz pacto com capeta,
nem de Deus sou criatura dileta.
A tinta de que minha lira é feita
não é de sustância abjeta.
Meu verso tem um legítimo não-sei-quê,
mas crítica não me orienta,
só me espeta.
Quem não conhece, não lê;
quem me lê, não me interpreta;
quem interpreta, não conta mais:
poesia sem aval de gente abalizada
é motivo de risada;
tanto faz.
Diante de quem tem cartaz
no ecossistema da arte,
sou inseto que projeta
as próprias larvas,
abelha-operária fazendo sua parte:
um dia mando tudo às favas.

Sinto-me penetra,
absurdamente penetra,
no reino das palavras.

sábado, 23 de agosto de 2014

Pero Vaz


Pero Vaz,
infeliz português.
Longe jaz,
e o que ele fez
caminha.

Nos além-mares da Ásia,
seus últimos ais
desconheciam fado extenso.
Do tempo de seu vulto,
três nações
rezam um terço:

A Índia, paradeiro;
Portugal, endereço;
o Brasil, tempero.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Coroação


Formas de vida
Coram solos hibernais:
Botões de rosa.


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Franco



Não posso trocar de intenções
Como quem troca de camisa.
O que meu olhar disse, dito está.
O que deixei escrito mantém a tinta.

Não é porque me defendo no recalque
Que abandonaria uma certeza construída.
Talvez você não saiba, mas eu sei
Que nem tudo que cala, imobiliza.

A esperança é um brinquedo triste,
Mas quando você aceita a brincadeira
Sento de um dos lados da gangorra
Esperando o impulso que me joga aos céus.

A aspiração carrega sempre um amargor,
Mas tudo o que você promete
Quando aparece em minha mente,
Parece brigadeiro de colher.

E em vez de resmungar investidas alheias,
Em vez de rechear de atenção outro objeto,
Deito na grama no meio da praça
Porque não posso escolher por você.

Mas nenhum gato venderei por lebre,
Meu lobo não vestirá pele de ovelha.
O que meu olhar disse, dito está,
Até as consequências derradeiras.






domingo, 22 de junho de 2014

No ar


É óbvio
que o vento
vai e vem.

É óbvio,
mas ninguém
vê.

É óbvio,
mas é lento
de entender.

É um óbvio
que é "além
de".