quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Prova de amor



Se enviasse minha orelha
em envelope sanguíneo
aos seus atônitos cuidados;
se buscasse você com asas de cera,
e atravessasse os espaços da atmosfera
ignorando a verdade do sol;
se escrevesse milhares de versos
sedentos de uma única leitura,
ou de uma única leitora em potencial;
se prometesse construir um mausoléu
para recobrir joia, gema e pérola
que encantaram a menina dos meus olhos;
se tivesse essa força de tantos homens em um
para mostrar que um pode ser melhor que tantos
quando quer seduzir, impressionar, trazer o foco para si;
definitivamente, não seria eu.
Mas em minhas mãos plebeias haveria
uma legítima prova de amor.

Se bem que de um amor em pedaços:
de medo de não ser amado, que não é bem amor;
de orgulho de uma conquista, que não é bem querer;
de teimosia obsessiva, que não é bem nenhum;
de egoísmo controlador e narcisista, e de tudo isso
que é pedaço de amor quando está no todo
mas vira veneno no coração boçal,

ainda que estimule a verve e o movimento de vida
de poetas e cantores e homens de talento,
ou de ambiciosos vencedores das batalhas dos negócios,
ou de almas que só sobrevivem na incessante projeção de si,
ou de criaturas que somam virtudes
entre glória, poder, talento, persuasão e imponência.

Os simples como eu não provam seu amor.
Eles admiram palavras bem colocadas, presentes bem escolhidos,
promessas bem ajambradas e disposição de calar concorrentes,
porque tudo isso movimenta o mundo.
Mas sabem a quem está sendo dado o testemunho,
e, se são como eu, também sabem
que quem amamos não merece nossa incrustrada solidão.

Não serei, querida, o mocinho de bons modos e impecável limpeza
que abrirá a porta de uma carruagem tensa
a trotar sobre pedras de um planeta a construir.
Não serei a figura galante de príncipe encantado,
com a força dos canhões, dos cartões e das cortesias,
que vai fazer justiça a seus méritos de mulher.

Se bem me conheço, isso sim,
depositarei meu beijo em sua face no ápice do sono,
sairei de madrugada sem acordar as crianças,
comprarei leite e biscoitos na padaria da avenida,
retornarei para deixar as iguarias da manhã,
e rumarei de coração partido para o trabalho honesto
de quem espera voltar mais sofrido, mas sem dúvidas sobre o que é.

Cada um só pode dar daquilo que tem.
Eu só tenho você.

E, até que provem o contrário,
enquanto houver de fato amor,
não preciso provar nada para ninguém.
Nem para mim.


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