quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Penetra


Sinto-me fora da festa,
e, pior: mirando da fresta,
sinto que lambo com a testa
o que o olho faminto espreita.

A cada concurso que se ajeita,
a cada editora que rejeita,
a cada boa alma que me oferta
uma receita,
sinto-me menos poeta.

Não fiz pacto com capeta,
nem de Deus sou criatura dileta.
A tinta de que minha lira é feita
não é de sustância abjeta.
Meu verso tem um legítimo não-sei-quê,
mas crítica não me orienta,
só me espeta.
Quem não conhece, não lê;
quem me lê, não me interpreta;
quem interpreta, não conta mais:
poesia sem aval de gente abalizada
é motivo de risada;
tanto faz.
Diante de quem tem cartaz
no ecossistema da arte,
sou inseto que projeta
as próprias larvas,
abelha-operária fazendo sua parte:
um dia mando tudo às favas.

Sinto-me penetra,
absurdamente penetra,
no reino das palavras.

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