quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Canção fremente


Queria que os arrepios da pele pudessem tanger as cordas de um violão.

Queria que o tremor das pálpebras pudesse pulsar sobre os canos de um xilofone.

Queria que os espasmos dos músculos pudessem impulsionar o sopro dos metais da orquestra.

Queria que as palpitações do peito pudessem chocar pratos, socar bumbos, soprar tubas profundas.

Maestro do meu amor,
partitura do meu prazer,
intérprete da minha febre,
queria gemer tão alto
que a melodia do tato,
do pelo, do corpo, da pélvis,
derramasse do copo da arte
para a mesa do banquete,
talheres cruzados nos pratos,

restos de mel e exaustão.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pela união


De que adianta estar munido
De um coração tão miúdo,
Danado de imundo e de mudo
Desnudo num mundo cindido?


Mude-o, querido. Isso é tudo.

domingo, 10 de novembro de 2013

Diálogro


A grande maioria das pessoas,
Nas situações de conversa,
Não sabe absolutamente nada
Sobre aquilo de que fala.

Inseguras em relação à imagem
Que podem passar, de superficiais,
As pessoas dizem o que não sabem
Com a mais profunda convicção.

E a grande maioria das pessoas
Que se cala em situação de conversa
Tende a concordar com a mais convicta
Das pessoas que falam ali.

As pessoas concordarão de boa.
Dá mais trabalho discordar,
Não estão prestando atenção,
Ou também nada sabem daquele assunto.

Portanto, não se incomode se ninguém compreende
O que você traz de interessante,
Ou se, diante de certos caras de pau,
Você parece sem brilho.

A grande maioria das pessoas
Está programada para não ouvir
Nem mesmo aquilo que já sabe
Ou que deveria saber,

E a desenvoltura imensa
De seus intermináveis discursos
Deve ser medo de ouvir um diferente
Dentro de si.


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Passa, gente



Nessa vida passageira,
Passa gente por demais.
Passa gente de primeira,
Passa gente patamaz.

Gente nobre e verdadeira,
Que Deus gentilmente faz.
Gente que, se der bobeira,
Passa a gente para trás.

Gente boa-praça, arteira,
Trata os outros como iguais.
Gente crassa, fala asneira,
Passa à frente coisas más.

Gente esparsa, brasileira,
Fabricando seus sinais.
Gente grassa, bagaceira,
Passa ingente e vai salaz.

Gente massa, brincadeira,
Passa e sente, volta e faz.
Gente falsa, brigadeira,
Passa e mente, linguaraz.

Nessa farsa prazenteira
De chalaças geniais,
Gente passa a vida inteira.
Passe sempre. Passe mais.


A bem do condenado


Meus milhões de defeitos justificam
Consequências que caem sobre mim.
Cada vez que transgrido um combinado
Punições põem-me à parte do ruim.

Não reclamo das penas imputadas,
Não reclamo de nada, sei quem sou.
Só que, atrás dos defeitos do caráter,
Há uma face que nunca se mostrou.

Se essa face mirasse o horizonte
Com seus olhos profundos, comovidos,
Os carrascos que araram minha carne
Lembrariam com dó dos meus gemidos,

E as pessoas que um dia me julgaram
Pelas leis rigorosas de seus reinos,
Lembrariam que Deus tem leis maiores
E que enxerga as verdades que não vemos,

E eu teria sanções na dose exata
De fazer-me melhor para o outro dia,
De aprender pelo aporte de meus erros,
De aceitar minha própria companhia.



Pé na jaca


Quando a noite te questiona
Se as paredes de teu quarto
Sabem que tu és cafona,

Que essa hora é sempre um parto,
Que essa fleuma é fingimento,
Que não tens poder de fato,

Curte a vida cem por cento,
Banca o teu deliramento,
Tira o pé do barco errado,

Manda logo esse torpedo,
E se for atrevimento,
Pensa nisso amanhã cedo.

Cada qual no seu quadrado...


Cada qual com seu segredo...


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fogueira


Crepitam fantasmas
Entre gravetos e brasas:

O fogo tem asas.