sexta-feira, 20 de junho de 2014

Selfie vintage


Ao fitar a foto antiga, no sofá, bebê,
Tão difícil é destecer a vida que me resta!
Porque ela sempre esteve inteira nesse rostinho de festa,
Nesse riso boca aberta, sem vergonha de viver.

Ao fitar essa verdade de brilho castanho,
Do tamanho do universo (que era berço e fralda),
Entendo que corri atrás da minha própria cauda
E que tive mais vitórias do que ganhos.

Ao fitar meu futuro nessa alegria infante,
Terna, travessa e ignorante de si,
Entendo o porquê de tudo que vivi,
E entendo o que me espera adiante:

Quando eu crescer e atingir o ponto mais maduro,
Quero ninar e proteger meu eu-bebê do escuro.




quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pega-pega


Com riso disfarçado e cabecinha pensa
Você me ofereceu para escolher, de dois,
Apenas um: abraço ou beijo, e só depois
Ganhar de presente o de sua preferência.

Não sei por que aceitei, não tinha diferença.
Tão logo eu fiz a escolha, a sua se interpôs.
Talvez não fosse bom eu ser "feijão com arroz",
Talvez brincar de amor causasse impaciência.

Você correu de mim pelo quintal gigante
Porque escolhi um beijo em meu olhar entregue,
Porque tremi meus lábios como iniciante,
No máximo pudor que um puro amor consegue.

Não alcancei você porque faltaram pernas.
Só me sobrou o abraço de ilusões eternas.


domingo, 4 de maio de 2014

A vida vence


O espírito de um homem sobrevive
Ao corpo, à morte, à desintegração.
Eu deixo um pouco deste coração
Em cada tempo e chão no qual estive.

Eu deixo os bens que amei (e nunca tive
Um bem maior em retribuição),
E deixo a história minha de lição
Com todos os meus erros, inclusive.

Não é preciso ser um detetive
Pra ver que, na extensão desta existência,
Nossa existência muda de extensão.

Não é preciso armar-se de tal crença,
Pra ver que a vida vence, e, queira ou não,
O espírito de um homem sobrevive.


terça-feira, 29 de abril de 2014

Abstração


Radiofrequências ativas
Fazem estragos de luz e cor
No tubo do televisor.

As traças atravessam a estante
Usando ativamente meus livros
(saciedade dos insetos vivos).

Nos armários e gavetas da cozinha
Um brilho metálico de inércia impecável
Caminha.

Bits e bytes esbatem-se na tela,
Como flores colorindo a primavera.
No monitor, a rede é teia,
Onde a mosca do mouse passeia,
Sem cuidado e sem aviso.

Enquanto isso,
Sentado no sofá,

Eu briso.

domingo, 20 de abril de 2014

No colo


Quente no berço dos braços
Que é o melhor leito da vida,
Dorme, bebê, no compasso
Desta canção distendida.

Dorme esperando um sibilo
Suavemente presente,
Como um riacho tranquilo
Numa savana sem gente.

Dorme esperando um zunido
Suavemente esquisito,
Como um cochicho emitido
Pelo ir e vir de um mosquito.

Dorme esperando uma nota
Suavemente entoada,
Como pisada de bota
De quem vem da madrugada.

Dorme esperando mais nada,
Suavemente risonho.
Dorme da minha balada,
Que eu dormirei do teu sonho.

Dorme, bebê, sem cautela,
Dorme do meu acalanto,
Como uma ingênua donzela
Sob o condão de um encanto.

Dorme que a noite é chegada,
Dorme que o sonho é partida,
Dorme da minha balada,
Quente nos braços da vida.


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Pássaros (na janela)


Retinem da garganta alada trinos
Que pálpebras descerram, minhas, lentos.
Os sonhos dão lugar a pensamentos
Ainda vagos, quase desatinos.

Os sons continuados, paulatinos,
Remetem-me a remotos sentimentos,
E acoplam-se com ruflos violentos
Que cada vez mais fortes discrimino.

Decifro as sombras lépidas e estrépitas
Que aplaudem a abertura de outro dia
Cruzando a luz que adentra este aposento:

A natureza, em valsas sempre inéditas,
Desperta-me de um sonho sem poesia,
Enquanto noutro adentro, desatento.


sábado, 22 de março de 2014

Acalanto


Deita na cama e derrama,
Do que aprontaste, teu pranto.
Cantas teu tétrico drama;
Ouço meu doce acalanto.