sábado, 10 de março de 2012

Singularidade


Os servos da Idade Média pertenciam à terra.
Cediam ao senhor feudal o sumo do fruto de seu suor.
Amavam o deus apresentado mediante pagamento de dízimo.
Nunca seriam mais que servos de sua servidão.
E viveram.

Os homens do século XIX desconheciam eletrônicas.
Não possuíam os inimigos da distância: automóvel, telefone.
Sofriam de doenças que hoje são curadas com dois comprimidos.
Sofriam no íntimo como se o sofrimento fosse perspectiva de vida.
E viveram.

Os homens das cavernas dormiam amontoados, famintos e tensos,
porque o uivo do tigre de dentes de sabre era alarme,
e sair para a caça era como sair para um mar misterioso
sem poder determinar os mecanismos dos monstros imaginados.
E viveram.

Se, afrontando o desfavor das condições, ainda persiste
a humanidade, recuperada em cada coração de gente,
que dizer então de formigas, ou plantas, ou algas,  gerações e gerações
que seguraram o estandarte da espécie contra todas as extinções em massa?
E viveram.

A vida é uma interjeição no bruto discurso do tempo.
É ruído tonitruante de queda de grão de areia.
É insignificante com significado.
É verbo valente.
É dom.

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