sábado, 8 de janeiro de 2011

As tábuas da lei

Você me veio aqui trazer
a boa-nova que é sua.
E as regras para assumi-la,
e avisos a quem não compactua.

Acontece que a boa-nova
me pegou num mau momento,
em que só quero salvar-me
do mal que, de fato, experimento.

Você me veio aqui dizer
que meu caminho é insensato,
que a trilha das pedras perdi,
que com as ondas me debato.

Você inventou o dever
para zombar do sofrimento.
As tábuas da lei são de pedra,
a liberdade é de vento.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O melhor a fazer

Antes que se dissolva em mágoas
o elo de amor que nos coligia,

antes que as boas lembranças
soem-nos límpidas como ofensas,

antes que o não-resolvido
resolva-se em instintos primários,

antes que o julgamento do mundo
defina papéis posteriores,

antes que o recalque da saudade
transforme-se em adolescência tardia,

antes que percamos tão fácil,
o que era-nos caro demais,

adeus, consorte de outrora.

Nos vemos nos tribunais.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Titubeação

Na escuridão das ruas frias do meu bairro,
na madrugada de um retorno de balada,
senti fremente um peso, um crivo do silêncio,
uma fisgada de uma dívida não paga.

Ninguém comigo, mas milhões de pensamentos
falando juntos, convencendo-me do mal,
da permanente inconsequência dos meus atos,
motriz de um choro irreprimível de mulher.

Os pensamentos materializavam formas
no asfalto sujo, na calçada, nas muretas,
nas escrituras sem sentido das equipes,
no aleatório do vagar de cães e ratos,

e essas formas, atraindo-se em essência,
uma só linha, gigantesca, pontilhada,
perfaziam, e essa linha terminava
no solar da residência da menina.

A mão fugiu da campainha, e as testemunhas,
que eram o choro deduzido do silêncio
e o sopro frio da escuridão na vizinhança,
desassistiram o andarilho arrependido,

pois se um alguém-ninguém tocasse a campainha,
e nessa hora o céu sofresse o bem do Sol,
já não seria madrugada e nem amor:
a liberdade impiedosa faltaria.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sobranceiro

- Eu quero ser amado -,
digo ao destino, cobrando
já resultado, sem quando.

- Eu quero saber tudo -,
digo ao Divino, irriquieto,
mente sem fundo e sem teto.

- Eu quero o meu caminho -,
digo, a ajuntar, sem meneios,
como adivinho dos meios:

- Dos méritos que quero,
não haverá qual me falhe.
O tempo é mero detalhe.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Chacoalhão

Eu estava preparado para apagar o pavio
e deixar correr as esperança num rio
que rasgasse a escuridão nalgum ponto.

Eu estava reclamando do Brasil,
com a fleuma de quem quase desistiu,
e os argumentos de um mimadinho tonto.

Eu estava querendo mandar tudo para a puta que o pariu,
quando um baque, um dilacerante assovio,
sequestrou meus sentidos de sopetão,

pedaços de solidão crestaram-se no vazio,
o trom da torre de marfim a sucumbir o cosmo ouviu:
teu amor dinamitou meu coração.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Antes de pedir sua intervenção

Eu sei que você me ama;
então, só peço socorro
se estou em real perigo.
Para ser abusado,
tenho um monte de amigo
calejado.

O desespero de amor é sagrado
e quase proibido.
É a força que move mares
quando tudo está perdido.

É um poder que não tem limites
porque, no fundo, não tem sentido.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Mundos

Quando eu olho para o mundo cão,
viro bicho e fico sem razão.

Quando eu oro por um mundo são,
peço a Deus que espalhe compaixão.

Quando eu ouço sobre o mundo além,
deixo a alma se embeber de bem.

Quando eu ando no mundo real,
tenho orgulho de ser anormal.